6 horas da manhã e acordo com o som de buzina de kombi e com o barulho das vozes que gritam o meu nome. Ainda despertando, abro a janela, coço os olhos e recebo a luz clara do sol no meu rosto. Bagunçada, cansada, tentando entender o que está acontecendo, meus dois melhores amigos parecem empolgados e dizem para eu arrumar as malas que iremos viajar.
Eu fico sem entender o que está acontecendo e prendo os meus cabelos e pergunto “o quê?”. Eles repetem “vai, rápido, faz uma mala e vamos viajar”. Como estou de férias, dou risadas sem graça, e arrumo uma mala tão rápido que eu nem sabia que era possível fazer isso com tanta velocidade.
Visto minha calça preta, uma sandália, um cropped e desço as escadas para encontrá-los, com o meu cabelo preso. Eles perguntam pela minha bicicleta, e eu digo que está na garagem, eles entram com minhas chaves, a pegam e colocam dentro da kombi. Eu apenas deixo aquela situação acontecer e ainda sorrio sem jeito e vou abraçando a aleatoriedade daquela manhã ensolarada de segunda-feira.
No rádio, toca uma música de post-punk russo e eu a acho muito agradável e sinto vontade de dançar. “Para onde vamos?”, eu pergunto, “para a próxima cidade, e depois para a próxima e assim seguimos”, é toda informação que consigo. Eu só concordo e permito que o destino aconteça sem questionar tanto o que está acontecendo: afinal, estou com pessoas que confio e me coloco aberta aos acontecimentos da vida.
A ida sem rumo foi divertida e conversamos sobre tantas aleatoriedades que não caberiam em um diário de bordo. Na primeira cidade, conhecemos pontos turísticos, tiramos fotos, experimentamos a culinária local, ficamos lá por três dias. Já na segunda cidade, aproveitamos as noites e dançamos como se não houvesse amanhã: nós também estávamos conectados demais com o presente para pensarmos no futuro.
Na terceira cidade, eu tive dor de cabeça e tomei chás e bebidas naturais para aliviar a dor: amo essas coisas. Fiquei melhor e andamos de bicicleta. Tinha um rio lá e tomamos banho de roupa. A vida era intensa e presente e eu só precisava estar ali.
Na quarta cidade, tomamos banho de mar durante a noite e conhecemos uma banda local que me deixou cantar desafinada no show deles. Talvez haja alguma filmagem desse momento, ou talvez não: nosso único objetivo era estar ali por inteiro e cumpríamos ele com perfeição.
Na quinta cidade, caminhamos em um velório de uma pessoa que não conhecíamos e eu escrevi um texto sobre a finitude da vida. Nós choramos a perda daquela pessoa desconhecida que deve ter sido o amor de alguém e parecia ser tão querida naquela cidade.
Após chorarmos as dores por aquela pessoa desconhecida (todas as emoções são válidas), decidimos que era a hora de voltar. E voltamos. Apenas parávamos no caminho para almoçar, jantar e tomar alguns banhos em rodoviárias. Eu sentia uma mistura de calmaria, cansaço e euforia.
Eu estava viva. Como é bom estar viva.
Voltei para casa com os olhos cansados e alegres. Abracei e me despedi dos meus amigos como se aquele momento fosse único – pois ele era. Tomei um banho quente, depois deitei na cama e dormi pensando em quantos mais prazeres desconhecidos há pelo mundo. Quantas experiências estão só aguardando para serem vividas. A vida não precisa doer o tempo todo.
Morganna Lôbo tem 23 anos, mora em Salvador, Bahia, Brasil e é professora de Artes e Teatro. É graduada em Licenciatura em Letras e estuda Licenciatura em Teatro. Escreve desde que se lembra. Publicou o livro “no caos da minha mente” e possui poemas em várias antologias do Brasil. Ganhou o prêmio “favela revela” e ficou em 3º lugar no prêmio “Literatodxs”." Palestra em escolas falando sobre Literatura e sua relevância. Além disso, trabalha com performance e teatro e acredita na importância das Artes para mudar o mundo e para conhecer a si mesma. "Freedom is Our Flag." Imagem fornecida pelo autor.